
Lições da Estação
Na China, as estações são nítidas e distintas. As mudanças climáticas que ocorrem durante o ano influenciaram o modo de vida e a forma de pensar do povo chinês. Foi a partir das estações que os taoístas formularam os fundamentos da sua sabedoria.
Para os orientais, primavera significa início de novo ciclo. Surgem os primeiros ventos quentes, a neve e o gelo começam a derreter, os rios voltam a correr e ficam mais caudalosos. Nascem as primeiras folhas da grama do campo. É a época das flores, do acasalamento dos animais e o momento de iniciar o plantio.
Os chineses consideram o verão o auge, o momento da plenitude. Os brotos crescem rapidamente. A vida entra em ebulição. Com a fartura de alimentos desta época, os filhotes recém-nascidos ficam cada vez mais fortes. É o momento de aproveitar a abundância da Natureza.
No Oriente, outono é época representa o declínio. Com a queda da temperatura, os animais começam a se preparar para a época de estagnação. A Natureza agora produz os últimos frutos que os animais e os homens precisam ingerir e estocar para suportar o frio que se aproxima.
Inverno é o momento de recolhimento, de introspecção. A vida se paralisa. Rios e lagos se congelam e as árvores perdem suas folhas. Nesta fase do ano, nada mais resta a fazer senão se recolher e esperar a chegada dos primeiros ventos da primavera. E com a primavera, inicia-se um novo ciclo.
Para os taoístas, nada permanece inalterado na vida, tudo é um processo de contínua transformação. A Mutação é um dos principais fundamentos do Taoísmo.
O ser humano passa por um processo análogo ao das
estações do ano. Nossa vida pode ser entendida como
um ciclo completo de mudanças em que a primavera
corresponde à infância, à fase inicial da vida; o verão se
refere à juventude, ao auge da força e da virilidade; o
outono representa a meia-idade, o declínio do vigor e
das capacidades físicas; o inverno é a velhice, a
estagnação das funções vitais e o recolhimento.
As estações do ano fazem que as plantas e os animais se adaptem às condições de cada momento para que possam sobreviver, crescer e se perpetuar. Os seres humanos também precisam acompanhar harmoniosamente as mudanças da vida.
Quando não mudamos de acordo com o momento e não vivenciamos o que é correspondente a cada fase da existência, deixamos de viver de forma plena. Viver é mudar, adaptar-se, aproveitar cada etapa da vida e não ir contra as leis naturais. Para os chineses, tentar colocar-se acima da Natureza é insensatez. Precisamos acolher as leis da Natureza com humildade e reverência. Só assim podemos manter nossa saúde e a nossa paz interior.
A vida é um fluxo constituído de ciclos assim como acontece com as estações do ano. Ciclo é outro conceito básico que os taoístas desenvolveram a partir da contemplação da Natureza.
Mutação e ciclo são necessários para que aconteça a renovação da vida. Sob um aspecto, existe retorno a um ponto de referência, mas, por outro, nada permanece igual. Ao fim de cada ciclo, as árvores se desenvolvem, os animais ganham nova pelagem e todas as criaturas vivas se renovam com o nascimento de novos indivíduos da sua espécie.
O ditado chinês "Sempre a primavera, nunca as mesmas flores" sintetiza com perfeição as idéias de mutação, ciclo e renovação. Todos os anos acontece a primavera, sem falha, mas a cada primavera brotam novas flores. Apesar da repetição, a Natureza não se repete. A Natureza não caminha em círculos, mas em ciclos constantes em que cada retorno representa uma evolução, um passo a mais, um degrau acima da fase anterior. Evolução e renovação acontecem em forma de espiral, e não dentro de um círculo. Num círculo, tudo volta ao mesmo ponto, mas numa espiral o retorno ao ponto de referência se dá num outro nível, num patamar acima.
Quando respeitamos os ciclos, a vida flui, se renova e permitimos nossa própria evolução.
O ser humano tem necessidade de coisas duradouras, constantes, permanentes. Isso nos dá segurança, tranqüilidade, uma certeza de continuidade. É reconfortante saber que as coisas vão permanecer estáveis para sempre. Contudo, as estações do ano mostram que todas as coisas são mutáveis e nada é permanente. Ou, de outro modo, tudo é impermanente.
O que ocorre é que nós, seres humanos, somos apegados às pessoas, às coisas e às situações. É comum querer que as coisas sejam permanentes. Muitas vezes, preferimos a ilusão do duradouro à realidade da mutação e da impermanência. Queremos que a vida seja do jeito que idealizamos e não do jeito que a vida é. Lidar com a impermanência é um exercício de aceitação da realidade.
Desejar que um objeto, uma pessoa, ou uma parte da vida nunca se altere é aleijar a existência. Como nada na Natureza existe de forma isolada, tentar manter algo inalterado é impedir que ele continue seu processo de evolução. Pior: todas as coisas que estão interligadas com esse algo também serão prejudicadas.
A Natureza nos mostra a todo instante que a impermanência é um fato e uma necessidade. Pode ser uma realidade difícil de se aceitar, mas é a realidade. A consciência da impermanência exige de nós o acolhimento da realidade e o exercício de se desapegar das pessoas, dos objetos e das situações. Das idéias e ilusões também. É interessante notar como as idéias e as ilusões são coisas das mais difíceis de se renunciar nesta vida. Mas ilusões são ilusões e não realidade.
Transcrito do livro:
OTSU, Roberto. A SABEDORIA DA NATUREZA: Taoísmo, I Ching, Zen e os ensinamentos essênios), do autor Roberto Otsu. Editora Ágora, 2006. Edição 4)

PRIMAVERA
VERÃO

OUTONO

INVERNO


